29th November 2013 Brazil

Vestindo a camisa – guest blog por Cecilia Bijos

Port au Prince - Haiti
Port au Prince, Haiti – Créditos: Cecilia Bijos

Você normalmente lê sobre Haiti e automaticamente sente pena da população; desastres naturais, pobreza, intolerância racial e instabilidade política tomaram conta do pequeno país ao longo de sua história. Depois do golpe de estado que ocorreu em 2000, o país recebeu ajuda de diferentes países e, quando da ONU estabeleceu a MINUSTAH (Missão de Estabilidade da ONU no Haiti), Porto Príncipe ficou cheio de estrangeiros. A MINUSTAH e o governo haitiano trabalharam juntos para restaurar o fluxo de alimentos e suprimentos médicos, os serviços públicos, promover o crescimento econômico e a redução da pobreza, enquanto enfrentava inúmeros desafios, incluindo a criminalidade endêmica e a violência de gangues.

Em janeiro de 2010, um terremoto que durou 5 segundos mudou a vida da população. Quando você pára pra pensar, 5 segundos não é nada. Como você reage a um terremoto de magnitude 7.3 que dura 5 segundos? Você não reage. Mais de 200 mil pessoas morreram e meio milhão ficaram desabrigadas. O que era ruim ficou pior; sem água, comida, suprimentos médicos, esgoto, eletricidade… Como você pode viver assim? Eles viveram e ainda vivem… Com a única coisa que eles têm… Fé.

Eu fui convidada para acompanhar uma delegação de 14 pessoas como intérprete para uma missão de 10 dias em Porto Príncipe. Minha principal tarefa era manter a comunicação entre a equipe e a população, mas principalmente interpretar as consultas médicas. Nós tratamos mais de 700 pacientes, que possuíam os mais diversos sintomas e medicamos todos de acordo com a enfermidade. Mas infelizmente isso não é o bastante. A falta de saneamento básico provoca inúmeras doenças e infecções e, embora, tenham assistido a nossa aula sobre higiene, eles não conseguem entender a real necessidade de usar um vaso sanitário… pra eles, um buraco no chão é mais do que suficiente. 99% das mulheres que nós tratamos têm infecção vaginal e, dentre elas, atendemos uma jovem mãe que tem uma filha de 11 meses de idade e que tem infecção vaginal. Isso me fez pensar no futuro desse bebê… Ela tem 11 meses e já tem uma infecção. Esse e outros casos nos fez querer ficar mais tempo, ajudar mais e tentar fazer a diferença. Depois da consulta médica, presenteamos cada paciente com uma muda de roupa e um kit de higiene.

Créditos: Cecilia Bijos
Interpretação durante consulta – Créditos: Cecilia Bijos

Lá, nós trabalhamos em dois bairros diferentes: Delmas e Campo Corrail. Delmas fica no centro de Porto Príncipe, enquanto Campo Corrail fica na periferia, longe do centro. Nós demoramos 20min pra percorrer um trecho de 1km dentro do mesmo bairro. Por quê? Porque as condições das ruas não mudaram, estão iguais estavam depois do terremoto, talvez pior. O governo não teve interesse nenhum em recapear as vias. Mas em Petionville, o bairro rico da cidade, as ruas são perfeitas, tem energia elétrica e rede de esgoto, calçadas limpas e é onde estão localizadas todas as embaixadas, resorts, hotéis e é onde moram os voluntários da Cruz Vermelha e Médicos Sem Fronteiras. Campo Corrail não tem asfalto. A construção que a ONG concluiu ano passado está sozinha no escuro entre as tendas que servem de moradia para a população. Durante a construção, em vez de levar trabalhadores experientes do Brasil, o supervisor do projeto contratou trabalhadores locais e ensinou-lhes como construir uma parede adequada. Se eles fizessem algo errado ou levantassem uma parede torta, ele os deixava terminar o serviço para, no fim do dia, quebrar tudo e fazer de novo até eles aprenderem a fazer da forma certa. Eles diziam: “Assim tá bom. Não precisa ficar perfeito”, e a resposta que recebiam era assim “Vocês tem aprender a fazer direito. Só porque vocês não têm nada não quer dizer que podem aceitar o trabalho mais ou menos”. Depois de 45 dias, a construção estava pronta e impecável e o Valdeir ensinou pelo menos uma dúzia de haitianos a construir um prédio perfeito.

Apesar do pouco tempo que ficamos lá, acho que influenciamos a vida de alguns e fizemos alguns amigos, não porque nós oferecemos consultas médicas, remédios e roupas gratuitas, mas porque nós nos sentamos no chão com eles, apertamos suas mãos e conversamos com eles, passamos para o lado pessoal. Todos os brancos que estão em Porto Príncipe são estrangeiros e estão lá para ajudar, mas isso não significa que eles conhecem o povo. Mais de 50% das doações dadas pelos países após o terremoto nunca chegaram aos que precisavam. A corrupção está em todo lugar, a falta de contato humano, os faz odiar alguns dos estrangeiros aqui. Em vez de apenas largar as coisas lá, tivemos a preocupação de conversar com cada pessoa, escolher a roupa de sua preferência e medicar de acordo com o problema de cada um. A reputação dos militares brasileiros é mais do que excelente e nos deu um passe livre para caminhar no mercado ou na rua sem ser importunado (eles pensam automaticamente que todo branco é rico). Os haitianos gostam mais do Brasil do que nós, brasileiros, por isso, se você for ao Haiti, use uma camisa da seleção brasileira. Ela faz a diferença.

About Luana Seabra

Luana Seabra has an International Relations background, works with Communication and has quite an obsession for music-related things. She joined the Embassy in 2010 to work with Public Diplomacy, having…

Luana Seabra has an International Relations background, works with Communication and has quite an obsession for music-related things. She joined the Embassy in 2010 to work with Public Diplomacy, having previously worked in Itamaraty and UNODC. She is interested in Political Communications, Soft Power, Digital Diplomacy, Development and Human Rights.

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