Quando conheci a campanha do governo britânico para combater a violência sexual em áreas de conflito – PSVI, não tinha ideia do tamanho do problema. A iniciativa me mostrou que cerca de 50 mil mulheres foram violentadas na guerra da Bósnia nos anos 90, mesma época em que pelo menos 300 mil mulheres em Ruanda, na África, tiveram um destino semelhante. À primeira vista, eu não enxergava a relação da PSVI com a realidade brasileira – afinal, felizmente não temos áreas de conflito em nosso território. Assim, considerava que o avanço conquistado no Brasil com a Lei Maria da Penha (que recentemente criminalizou a violência doméstica contra mulher) não dialogava com o cenário global de luta contra a violência sexual. Eu estava olhando de forma segmentada para os dados do Brasil, onde a cada 1h e meia[1], uma mulher é assassinada, vítima de violência de gênero[2].
Um ano depois do lançamento da campanha, com as ações lideradas pelo Ministro britânico de Relações Exteriores, William Hague, e a atriz Angelina Jolie para inserir o tema na agenda internacional de ações humanitárias como prioridade, vi o combate à impunidade como um elemento crucial que une todos os países, pois é ela o combustível na perpetuação dessas práticas. Acredito que todos os países que reconhecem os princípios dos direitos humanos devem unir esforços em torno de uma agenda internacional comum, mesmo que partam de questões locais.
As condenações por abusos e humilhações sofridas por mulheres em todo o mundo não chegam a 5% do total de casos registrados (uma média percentual dos dados a que tive acesso), o que me leva a afirmar que somos lenientes com esse cenário. O fim da impunidade, um dos temas centrais da PSVI, requer mudanças culturais e políticas profundas nas sociedades contemporâneas que naturalizaram a violência contra os mais fracos – vale dizer que meninos e jovens do sexo masculino também são vitimas de estupro dentro e fora das áreas de conflito. Ao criminalizar e punir os culpados, é possível instaurar um ambiente ideal para prevenir esses crimes, e quem sabe um dia extirpa-los do arsenal das armas de guerra.
Nesse sentido, Brasil e Reino Unido promoveram avanços. No ano passado, 38 mil prisões foram realizadas no Brasil para punir a violência de gênero. No esteio de ações da PSVI, o chanceler britânico foi ao G8 apresentar uma declaração que classifica a violência sexual como violação à Convencao de Genebra, o que significa que os países signatários obrigam-se a procurar e punir qualquer indivíduo que tenha cometido esses crimes. Ação semelhante foi promovida durante a última Assembleia Geral das Nações Unidas, na qual 135 paises tornaram-se signatários.
No ano que vem, quando revisitarmos esse tema durante os 16 Dias de Ativismo , espero sinceramente ver um aumento significativo no número de países comprometidos com a causa, com ações mais efetivas para transformar a sua realidade local e contribuir para a mudança global.
[1] A government official notification protocol for public and private health providers that makes it mandatory to fill in detail all information regarding any case of violence where the victim ends up in a doctor’s office or a hospital: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/
[2] They produced a widely respected report called “Mapa da Violencia” (Violence Map). In 2012, there was a thematic annex on women. http://mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php