20th November 2015 Brasilia, Brasil
Qual a diferença que um ano faz?
Eu não posso acreditar que o ano passou tão rapidamente e que já é Dia Nacional da Consciência Negra de novo. Isso me fez pensar: o que mudou em um ano? Desde o ano passado mudei de cidade, de Brasília para São Paulo, meu filho mudou de escola, eu desisti de aprender a capoeira regional e comecei a ter aulas de capoeira de Angola, mais lenta, mais intensa e mais gentil comigo. Eu só ainda não estou preparada para dominar uma cambalhota sem mãos!
No entanto, algo ainda não havia mudado até o último fim de semana. Eu ainda estou para conhecer em São Paulo uma brasileira de classe média que não faça parte do governo e que tenha raízes africanas. Não que haja muitas negras na esfera governamental, mas em Brasília eu conheci um casal e, que Deus abençoe a Bahia, onde eu conheci outros mais.
Você deve estar se perguntando por que eu deveria me importar com classe nos dias de hoje.
Pessoalmente, como qualquer outra pessoa fascinada com o Brasil há muito tempo, não pude deixar de comprar a imagem promovida no exterior do Brasil como uma nação arco-íris, mais colorida que a África do Sul, com pessoas de todas as raças e cores vivendo feliz lado a lado. Ela foi metade da razão pela qual eu sempre quis viver e trabalhar aqui. Mas de um ponto de vista objetivo, a mobilidade social para todos os segmentos da sociedade, independentemente de sexo ou raça, é essencial para assegurar que um país tenha a diversidade de talentos que irá determinar o quanto ele vai crescer ou não. Se mais de 50% da população, mais de 50% dos eleitores e consumidores em uma sociedade não possuem mobilidade social, então nós temos um problema.
Os jovens precisam olhar para ao alto e se relacionar com pessoas as quais aspiram a ser como, e sim, por mais desconfortável quanto a verdade possa ser, ajuda muito ter alguém que se parece com você. Isso mostra que existem opções além de sua realidade diária. Na sequência dos motins raciais do início dos anos 1980, o Reino Unido identificou uma ausência de uma classe média negra como um dos fatores que alimentaram o descontentamento em cidades do interior (ao lado também do “policiamento duvidoso”).
Um dos relatórios do governo divulgados posteriormente recomendou, à época, uma política consciente de desenvolver uma classe média negra britânica. Nós ainda não estamos lá, temos um longo caminho pela frente. Mas pelo menos hoje um jovem negro na Grã-Bretanha pode olhar para a lista comissionada pelo JP Morgan dos 100 negros britânicos mais influentes e encontrar gente de todo tipo: de juízes, incluindo a primeira Procuradora Geral do Reino Unido (Baroness Scotland),a CEOs como Tidjane Thiam, a primeira CEO negra de uma empresa ranqueada no top 100 da FTSE, passando por bilionários, como Mo Ibrahim, ou John Sentamu, arcebispo de York. Vale destacar que não há um único apresentador ou jogador de futebol negro no top 10 da lista, que é diversificada, ampla e acessível a todos, especialmente aos jovens, que são aqueles que mais precisam vê-la.
Ter uma classe média visível que reflita a diversidade étnica de um país não é importante apenas para qualquer raça em particular, mas para um país como um todo. Isso significa que toda a gente se acostumará a ver pessoas de todos os tipos e cores bem-sucedidas em todas as esferas da vida, ampliando a mente, quebrando tetos de vidro e enfraquecendo estereótipos. Meu filho, ao contrário de mim, vai crescer pensando que, não é apenas possível que alguém que se parece com ele governe o país mais poderoso do mundo (Barack Obama/EUA), na realidade isso já será uma notícia velha.
Ter uma classe média negra mais visível no Brasil poderia fazer diferença nas pequenas coisas que outros consideram um direito adquirido, mas que afetam o dia a dia dos afrodescendentes. Por exemplo, uma classe média mais representativa pode significar que um segurança relaxe quando vê alguém de cor, uma criança, por exemplo, entrando em um shopping ou luxuoso hotel cinco estrelas como consumidor ou hóspede. Ou que nenhuma criança negra terá que lidar com os insultos raciais que meu filho tem experimentado na escola aqui no Brasil, como quando uma criança em sua classe lhe disse que ele parecia um macaco e uma outra, ironicamente filho de descendentes de italianos, perguntou o que ele estava fazendo no Brasil, já que “ele não deveria estar aqui, deveria voltar para a África”. Aqui dou meus créditos à escola que tratou dos dois incidentes de forma imediata e desde então nenhum outro episódio do tipo aconteceu.
Meu filho ama sua escola e é mais sábio do que a maior parte das crianças da sua idade. No entanto não é de se surpreender que algo do tipo tenha acontecido: meu filho realmente é uma novidade para muitos de seus coleguinhas, que são em sua maioria crianças inteligentes e muito amigáveis. Todavia, para muitos deles a realidade é que o contexto provável em que normalmente se socializariam com pessoas de cor seria através de suas amadas babás. O que me traz de volta aonde eu comecei.
O que aconteceu na semana passada?
Bem, eu fui convidada por alguns amigos norte-americanos para participar de uma cerimônia de premiação homenageando brasileiros afro descentes, chamada Troféu Raça Negra. Eles não precisaram me convidar duas vezes. Foi um grande evento, que incluiu os Ministros brasileiros da Educação e da Igualdade Racial; vice-presidentes dos bancos patrocinadores, como a Caixa Econômica Federal; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil; Maju,a primeira e única garota do tempo negra da Globo; o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares; a primeira universidade negra do Brasil, que já foi visitada por gente como Nelson Mandela e Hillary Clinton; e o nigeriano Prêmio Nobel de Literatura Wole Soyinka (meu herói).
A melhor parte da noite não foi a mensagem ou a diversão, mas finalmente… finalmente encontrar negros brasileiros de diferentes setores em ascensão. Conversando com eles vi que também reconhecem que ainda têm um longo caminho a percorrer e, acima de tudo, que precisam olhar para a construção de relações e aprender com as experiências (boas e ruins) do Reino Unido, dos EUA e dos países africanos (um em cada três africanos é de classe média).
Estou muito esperançosa de que eles terão sucesso ao final de tudo, afinal eles não estão pedindo por terra; eles apenas querem que o Brasil de fato viva de acordo com sua a poderosa imagem de nação arco-íris que é celebrada no exterior. E por que não? Esta é a terra de otimismo! Basta olhar para os versos de um dos sambas mais populares da noite: “canta forte, canta alto, que a vida vai melhorar”.