26th September 2014 Brazil
O referendo Escocês – Guestblog por Caroline Cowan
Não é sempre que identificamos semelhanças entre o Brasil e a Escócia, embora as belas praias e o amor pela deliciosa comida frita sejam duas coisas que venham à nossa mente. Acredito que os escoceses adorariam a coxinha e o pão de queijo, porém não tenho certeza se os brasileiros apreciariam o oleoso Mars Bars ou tomar banho de sol no Luskentyre. Hoje, contudo, ambos os países estão enfrentando períodos de potenciais grandes mudanças: a Escócia realizou o referendo sobre a sua independência na semana passada e, no Brasil, na próxima semana, acontecerá a primeira rodada da eleição presidencial.
A eleição no Brasil já trouxe à tona tragédias e surpresas, com a possibilidade de ter a primeira “presidente verde” do mundo, como expressado pelo jornal The Guardian. Enquanto isso, na Escócia a população votou sobre se tornar ou não o mais novo país do mundo e também se separar do resto do Reino Unido. No final, o resultado foi um justo “não”, porém, não significou o final dessa história, já que os políticos de todos os partidos concordam com a transferência de mais poderes para o parlamento Escocês. Ao mesmo tempo, a independência e as discussões sobre a descentralização abriram amplos debates sobre a constituição do Reino Unido e como todo o país deve ser governado.
Como uma mulher britânica de ascendência escocesa (além de irlandesa, inglesa e holandesa), que normalmente trabalha para o governo escocês em Edimburgo – atualmente cedida para o FCO (Ministério das Relações Exteriores britânico) – eu tenho um relacionamento complicado com os temas em questão. Contudo, isso me coloca no mesmo barco de muitos que votaram no referendo da semana passada.
A Escócia foi, e continua sendo, um país tradicionalmente aberto sendo que seus habitants são originários de quase todos os países do mundo. Diversos deles, assim como eu, escolheram se estabelecer ou mudar para lá. No meu caso, foi devido a um amor pelas montanhas e belas áreas rurais. Há outros escoceses que possuem raízes que transpassam gerações e têm fortes laços com determinados lugares, se identificando como órcades ou hébridas – antes mesmo de escoceses, ou, de fato, britânicos.
A questão da identidade é complexa e repleta de dificuldades, e no Reino Unido – um lugar de múltiplas identidades – o referendo trouxe essa questão para o primeiro plano. O que significa ser britânico, inglês, escocês, galês, norte-irlandês e até mesmo europeu (a União Europeia foi uma área-chave nos debates do referendo)? Essas identidades podem ser reconciliadas? Será que a independência escocesa significaria perder a identidade britânica, ou permanecer unidos significaria suprimir a identidade escocesa?
Com minhas complexas ascendências, não tenho certeza se posso responder a essas perguntas e seguramente não sou a única. Embora a Escócia tenha votado “não” à independência, tais questões são altamente relevantes à medida que avançamos nas discussões sobre qual seria a melhor forma de permitir que a Escócia expresse seus valores – como tendo mais controle sobre temas de bem-estar e questões fiscais, que reforçaria ao mesmo tempo o seu lugar importante no Reino Unido.
Uma coisa que tenho certeza é que, como no Brasil, as importantes questões sociais e políticas abordadas não irão desaparecer tão facilmente e ocorrerão mudanças significativas na governança da Escócia – e muito provavelmente do Reino Unido em geral. Os três principais partidos políticos do Reino Unido – que foram contrários à independência – fizeram a promessa de que mais poderes serão transferidos para a Escócia. Agora esses partidos devem começar, em conjunto com os partidos escoceses, o árduo trabalho de determinar como será essa transferência. Ainda, as questões de identidade e de como articulá-la certamente irão continuar a ser debatidas, já que a Escócia buscará expressar o seu novo lugar, tanto no Reino Unido como no mundo.